VILMA SLOMP

DOR Adeversus Aestus

Adversus  Aestus

   Adversus  Aestus reflete quando o amor e o delírio da arte se expõem no ritmo de suas delicadezas. O tempo sobre a perda e o desencanto do viver traz à tona a beleza através das luzes construídas nas diferentes gamas em 18 fotografias  em preto e branco.

VS expôs as duas séries na Galeria dos Arcos,  Usina do Gasômetro em Porto Alegre em 1999.

texto crítico

Olhar Interior - Angélica de Moraes/1998

   Esta nova série de fotos de Vilma Slomp transfere o assunto recorrente da dor para o universo ainda mais íntimo das imagens em preto e branco. É como se operação de auto-conhecimento assumida pela artista, este lento escavar de percepções soterradas, só pudesse acontecer plenamente a partir de um ato deliberado de despojamento de toda sedução vinda do mundo exterior. A artista foi buscar uma ferramenta de prospecção mais acurada para penetrar no avesso das coisas, na cicatriz bordada pela memória do corte e da perda.

 

   A primeira imagem da série, Umbigo da minha mãe, é também a única que atua diretamente sobre o território do corpo. Todas as demais, embora metáforas de sensações experimentadas pela alma ou pela pele, abdicam da representação e incidem sobre o simbólico ou sobre o vestígio do corpo aderido aos objetos. Apesar do título descritivo, que poderia restringir seu campo de ação, e Umbigo da minha mãe é das imagens mais carregadas de significados do conjunto. Esse umbigo primordial, pálpebra sem olho, anuncia a chave de leitura pretendida: o olhar voltado para dentro. É também índice de corte e de perda, ou seja, da sangrenta mas vital ruptura do cordão que une geradora e gerado.

 

   Como na outra série de fotos deste livro, a maioria das imagens é construída com flores. Na suíte em cores, porém, a ênfase está nos espinhos, galhos secos e pétalas murchas. Há desencanto e morte. Nesta série em preto e branco, ao contrário, o foco incide de modo mais enfático sobre o apogeu de belezas precárias. Fixa o instante volátil que as separa da morte. Desta vez, a celebração da vida vence o inventário das dores que a envolvem.

 

   Alguns dos melhores momentos da série acontecem quando Vilma confere às flores o índice de corpos, como em Trompas ou GLS. É nesses momentos que observamos de modo mais agudo o quanto o uso das luzes continua sendo uma das maiores qualidades do seu trabalho. Ela a usa para definir com suavidade os contornos das coisas e conferir delicadeza à instrução, o pensamento gráfico que vai balizar a configuração dos elementos, não é apagado. Isso ocorre de modo mais evidente em Verso de Rosas. O desenho subjacente podem também assumir o primeiro plano, como no grafismo de luz feito sobre Gérbera Elétrica.

 

   Não poderiam faltar alguns tributos à História da Arte. É o caso da citação das vanguardas russas no processo utilizado para obter a imagem Deleite e a homenagem explícita a Marcel Duchamp (na foto que encerra a série, Anturium descendant un escalier). Esta homenagem, aliás é a quase metalinguística porque remete à História da Fotografia. Para realizar seu famoso quadro Nu descendant un escalier (1912), Duchamp inspirou-se nos trabalhos dos fotógrafos pioneiros no estudo do movimento, como o britânico Eadweard Muybridge (1830-1904) e o francês Ëtiene-Jules Marey (1830-1904).

 

   Vilma Slomp sabe despegar-se da imagem mimética e analógica para trabalhar com os vestígios de uma relação existencial, de um estar no mundo. É com esse vocabulário de índices e símbolos que ela se emociona e nos emociona, por expressar algumas das sensações (penosas ou gozosas) essenciais à vida.

 

Angélica de Moraes/1998

 

 VILMA SLOMP
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